O cancelamento unilateral de planos de saúde por parte das operadoras, especialmente quando o beneficiário está sob tratamento de doença grave, é uma prática que desafia não apenas os preceitos éticos, mas também os fundamentos legais que regem os contratos de assistência médica no Brasil. Esta prática, além de ser um desrespeito à dignidade da pessoa humana, viola o princípio da boa-fé objetiva, tão essencial no direito contratual.
No âmbito legal, a Lei nº 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, estabelece diretrizes claras sobre as obrigações das operadoras. A referida lei, em seu artigo 13, determina que é vedada a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde, salvo por fraude ou não pagamento da mensalidade por parte do beneficiário. Entretanto, mesmo diante dessa previsão legal, casos de cancelamento indevido ainda são recorrentes.
Para complementar essa proteção legal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem adotado uma postura rigorosa em relação ao cancelamento de planos de saúde durante tratamentos médicos urgentes ou emergenciais. O Tema 1082 do STJ, cuja tese foi firmada de forma unânime, estabelece que a operadora, mesmo após exercer seu direito à rescisão unilateral de contrato, deve garantir a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos ao beneficiário que esteja internado ou em pleno tratamento médico, garantindo sua sobrevivência ou incolumidade física.
Esse entendimento jurisprudencial reforça a importância de se proteger a vida e a saúde dos beneficiários em situações críticas, como aquelas em que dependem de tratamentos contínuos para doenças graves. Ademais, o precedente mencionado, AgInt no Recurso Especial nº 1.862.008-SP, estabelece de forma inequívoca que a operadora não pode cancelar o plano de saúde nessas circunstâncias, assegurando assim o direito à continuidade do tratamento, independentemente da rescisão contratual.
Ao cancelar o plano de saúde enquanto o beneficiário está sob tratamento médico essencial para sua sobrevivência ou incolumidade física, a operadora não apenas descumpre suas obrigações contratuais, mas também atenta contra a dignidade da pessoa humana. A dignidade, como valor intrínseco e indisponível, deve ser respeitada em todas as circunstâncias, especialmente quando se trata do acesso à saúde, um direito fundamental garantido pela Constituição Federal.
Portanto, é essencial que as operadoras de planos de saúde ajam em conformidade com a legislação vigente e com os princípios éticos que regem as relações contratuais. O respeito à dignidade humana e a proteção à vida e à saúde dos beneficiários devem ser prioridades inegociáveis. A jurisprudência consolidada do STJ e as disposições da Lei nº 9.656/98 reforçam a obrigação das operadoras de assegurar a continuidade dos cuidados médicos necessários, mesmo diante de situações contratuais adversas.